quarta-feira, 17 de julho de 2013

O escritor que se esqueceu de escrever VI

(continuação da continuação da continuação da continuação da continuação - parte 5 aqui)

  • Fui Ver e Não Ouvi Nada (2029), romance
Primeiro livro na editora Antártida de Limão, mostra um Bruno com pouca força literária, gasto pelos eventos precedentes.
Neste romance, encontramos uma espécie de paródia, em que três pessoas padecem de falta de inatismos:
Dan só consegue andar em linha recta e o máximo que consegue curvar é em ângulo de três graus (mesmo de carro). Isto implica, desde muito cedo, uma enorme estratégia geográfica por parte de Dan, levando-o a conhecer países inteiros em saídas para ir comprar pão. Mesmo a sua casa é rectilínia, "Um T0 com 4 quartos", como costuma definir Dan, pois mais parece um corredor onde fazem lavagens automáticas de carros. Situada no meio da estrada, é contornada pelos veículos que circulam. Sai de frente e volta de marcha-atrás. Morre numa viagem de comboio que, à partida seria em linha recta, mas sofre um desvio por queda de uma ponte e na curva imprevista, Dan continua a caminhar no ar sobre o desfiladeiro de Aralsk.
Joseph não caminha: rasteja. Tudo o que implique visão acima da altura dos seus tornozelos causa-lhe náusea e tontura. Não se sabe se tem medo de alturas, tem-se a certeza que tem medo de alturinhas. Raramente sai de casa, sobretudo depois de se ter tornado milionário. A fortuna adveio da invenção de micro-borrifadores internos de sapatos, que eliminam o odor ao milésimo de segundo, sempre que o cheiro atinge 3.2 na escala de Grenouille. Morre afogado numa poça, debaixo de uma pessoa que tropeçou e caiu sobre Joseph, na fila de espera para comprar bilhete para a peça de teatro José, o pintor de rodapés.
Louis não caminha nem rasteja: levita. Ou pensa que levita. Na realidade, anda com andas. Não numas andas normais, pois não gosta de sentir solidez sob os pés, mas numas em que poisa os pés numa espécie de bolsas de gel, como se vogasse sobre o mar. Dorme sozinho no andar de cima do beliche. Não usa sanita. Aliás, a opção por um buraco a la caçador tornou-o perito em pontaria. Depressa ganha o cognome de Americano, numa clara alusão ao basquetebol, tal a eficácia em colocar objectos em buracos, a distâncias consideráveis. A altura que possuía com as andas coadjuvava a alcunha. Segue a tropa, onde acaba por singrar num batalhão de operações secretas, sendo as suas especialidades: explosivos, atalaia e 'snaipismo'; as duas últimas fazia em simultâneo, uma vez que apoiado numa das andas, parecia que estava agarrado a um poste, de vigia; com a adaptação da espingarda na outra anda, bastava levantar o braço para poder disparar. Foi nesta fase que também ganhou a alcunha de Sassi, por ser o único sniper que disparava ao pé coxinho (ou à anda coxinha, para ser mais preciso).
O livro termina abruptamente pois, quando se pensava que estas três personagens se poderiam encontrar, morrem Dan e Joseph, enquanto Louis era perseguido por Brad, o polícia que apenas se locomovia dentro de um saco de batatas.
A crítica foi severa com Fui Ver e Não Ouvi Nada, uma vez que apodou o romance de ser uma manta de retalhos desconexa (creio que 'idiota' foi a palavra empregue), que parecia inacabado. E de romance parecia ter muito pouco. Bruno respondeu por caniche-correio a João Bombarda, o crítico do Ipsilom, com as seguintes frases: "Querias romance? Em vez de te dar a ti, optei por dá-lo à tua mulher! Não um, mas seis romances. À tua grand danois dei só dois. Remetente: Bruno. Morada: Casa da tua mãe."
Era nítida a desorientação e, sobretudo, a perda de aptidões sociais do escritor. Pelos vistos, as aptidões românticas permaneceram intactas. Já João Bombarda, divorciou-se no mês seguinte e mandou abater a grand danois, de seu nome Baby, um dia depois.

(continua a continuar a continuação da continuação da continuação da continuação aqui)

Sem comentários:

Enviar um comentário