quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Inventor de Fetiches Literários

Entretanto, no gabinete de invenção de fetiches, departamento literário, está a trabalhar Xurxo Villaverde. Objectivo diário: dez novos fetiches literários.
  • Badanofilia - Leitores que lambem as badanas dos livros e abominam todos os livros que não contenham as supracitadas. Reúnem-se duas vezes por ano: a 1 de Julho, para swing de badanas, no Motel Tropicana; a 3 de Outubro, para lançamento de livros de bolso ao Oceano Atlântico, no cabo da Roca.
  • Bestselofilia - Leitores que só lêem livros com vendas acima dos cinquenta mil exemplares. Curiosamente, só acreditam em Q.I.'s abaixo do índice 80.
  • Heroinonimismo - Leitores que procuram heróis que morrem no fim dos livros. Reúnem-se anualmente, a 6 de Junho, para queima pública de livros de Laurinda Alves.
  • Lombadofilia - Leitores que praticam açambarcamento no sentido de organizar bibliotecas pessoais consoante tamanho, cor, espessura e tipo de letra das lombadas.
  • Memorialismo transcendentista - Leitores que apenas lêem histórias baseadas em relatos reais, desde que contenham doses massivas de treta, como idas ao céu ou mutilação genital. 
  • Montevideofilia - Leitores que apenas degustam livros de escritores nascidos em Montevideo e, por conseguinte, cospem em tudo o que seja proveniente do lado de lá da foz do La Plata.
  • Paginofilia Trintaista - Leitores que se excitam nas páginas 30 dos livros, mesmo nos tratados fotográficos de Micologia.
  • Palofilia - Leitores que acreditam que não existem livros para além de José Rodrigues dos Santos ou Nicholas Sparks.
  • Rescendofilia - Leitores que escolhem livros pelo cheiro das páginas.
  • Sinopsismo - Leitores que compram livros apenas para ler as sinopses e escrever longamente sobre o que leram (vulgo, inventar).
17h00: Hora de saída.
Xurxo Villaverde faz um barco de papel com a página 8 do Coração das Trevas, lambe as duas badanas do Complexo de Portnoy e voga para casa de mãos nos bolsos, com o pensamento em Olga do Mapa e Território.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Diálogo (ir)real

O que acontece num comboio entre Valadares e Coimbrões às 6 e 50 da manhã ou como 'nirvanizar' a vida de um apreciador de comédia

Intervenientes: três irmãs (duas presentes e outra transcendente) e uma, como dizer, senhora (para facilitar)

Entra a irmã 1 em Valadares que se senta ao lado da senhora, a qual estabelece imediatamente diálogo.
- Olá!
- Hum, o-olá.
- Já não a via há muito tempo. Quem também não vejo há muito tempo é a sua irmã.
- A minha irmã morreu.
- Oh que desgraça!
- Sim, faz cinco anos.
- Pois, realmente já não a via há muito. De que é que foi?
- Foi canceroso.
- Oh pá, que chatice! E canceroso de quê?
- Dos intestinos.
-Pois, a vida é assim. Ai, a vida! A vida a vida a vida a vida!
- ...
- Sabe, nós éramos muito amigas. Como é que ela se chamava?
- Rosa.
- Exacto, Rosa! Rosa, Rosinha, Rosita. Rosa, é isso. Rosa.
Na paragem da Madalena entra a Irmã 2, mas o diálogo continua entra a senhora e a Irmã 1.
- Agora que penso, acho que já sabia que ela tinha falecido. É que eu às vezes leio o jornal todos os dias e acho que li lá isso.
- Ó irmã 2, a Rosa saiu no jornal?
- Não.
- Pois, se calhar não. Deve ter sido uma parecida.
- ...
- Mas era muito engraçada a... a.. a sua irmã. Tinha uma maneira engraçada de falar. E ela tinha uma criança  pequenita, não era?
- Já tem 23 anos.
- Pois, pois. Era pequeno na altura.
- É uma menina.
- Pois era. Danada para a brincadeira a...
- Rosa.
Paragem de Coimbrões. Saem as duas irmãs. Fica a senhora. Despedem-se.
- Então, bom trabalho. Dê cumprimentos à sua irmã.

Nota final: O Javali declara que, sob compromisso de honra, fora a frase final, todo o restante diálogo ocorreu perante os olhinhos que a terra há-de comer. Genial!