domingo, 26 de abril de 2015

Abílio Pires, o homem que fez a revolução

No dia a seguir aos 41 anos do 25 de Abril, também Abílio Pires comemora 41 anos de casamento.
Quem é Abílio Pires?, perguntarão alguns de vocês.
Abílio Pires fazia parte do Gabinete de Identificação da PIDE e na noite de 24 para 25 de Abril não soube de nenhuma revolução. Mesmo assim, ainda hoje pensa que foi ele quem a provocou.
Na manhã do dia 24, Abílio foi chamado para investigar uma afluência anómala de pessoa à serra de Sintra. A PIDE tinha nos seus relatórios que esse era um dos locais prediletos de reuniões secretas comunistas e onde Álvaro Cunhal se havia reunido com Santiago Carrillo, líder comunista espanhol.
Chegou ao local sozinho e encontrou uma cabana abandonada, mas ainda com a chaminé a fumegar. Em vez de retornar a Lisboa, decidiu ficar por ali. Qual lobo mau da história do Capuchinho Vermelho, deitou-se na cama. Nem uma hora havia passado, quando entra na cabana uma pessoa. Era Helena Costa.
Helena era uma conhecida comunista, procurada pela PIDE. Entre 1961 e 1966 esteve na Índia, na célula comunista de Jaipur. E foi por isso que Abílio não a prendeu.
Abílio defendia o Estado Novo como qualquer banal fanático. Porém, acima de Deus, Pátria e Família e Salazar, Abílio defendia os Beatles. Tinhas os discos todos, mesmo os subversivos. Preferia o George Harrison e o seu disco preferido era o Rubber Soul. Este álbum tinha nascido da influência crescente da música indiana em George Harrison e isso intrigava-o, sobretudo, porque sentia uma ligação espiritual com o autor de "Think for yourself", a música que Abílio pensava ser sobre si.
À tensão inicial sobreveio um diálogo ameno. Helena sentia-se comunista apenas no combate pela liberdade e Abílio sentia-se fascista apenas no combate que não queria fazer contra si. Helena falou-lhe da Índia e falou-lhe de plurais:
- Não há uma Índia, há Índias. E a melhor de todas é que constróis dentro de ti. Eu tenho a minha, à qual pretendo regressar.
Não se sabe se foi por manipulação, se por amor à primeira vista, mas Abílio e Helena fizeram amor naquele dia até ser noite e dia outra vez. A formação comunista de Jaipur incluía aulas intensivas de prática de Kama Sutra, a forma que consideravam mais eficaz para virar fascistas em comunistas. E assim aconteceu.
Abílio levantou-se no dia seguinte com vontade de abandonar a PIDE e de dizer a toda a gente a liberdade está na flexibilidade de uma comunista dotada das artes do Kama Sutra. Ele não o disse assim. Dizia apenas que era amor.
Quando chegou a Lisboa, não se sentiu surpreendido por ver aquela gente toda na rua. Pensou apenas que aquele sentimento que tinha dentro dele era tão grande, que só podia ter extravasado para outros. E agora ali estavam, porque queriam uma comunista tão dotada como Helena. (É ele que está na foto, atrás de Salgueiro Maia)
Não casaram a 25, porque o registo civil estava fechado. Casaram no dia seguinte. Hoje, Domingo, celebram 41 anos de casados. Vivem há 36 em Goa e ouvem neste dia o Rubber Soul de fio a pavio. Helena nunca lhe disse quem é o seu Beatle preferido.

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