quinta-feira, 23 de abril de 2015

João Gurgel, o escritor de árvores


Hoje é o dia Mundial do Livro. Ou, como lhe chamam na minha zona, dia Mundial dos Filtros.
Fui livreiro durante 7 anos e há uma história que recordo e que se sobrepõe a todas as outras. É a história de como conheci o senhor João Gurgel, o escritor de árvores.
Foi por acaso que o atendi. Ele não procurava nenhum livro. Disse-me apenas:
- É tão triste que todas as pessoas leiam a partir de folhas brancas.
Não entendi muito bem aquela afirmação, mas fiquei curioso. Foi aí que fiquei a saber que toda a vida foi escritor, em reclusão na sua quinta em Guilhufe e que já havia vendido para cima de 20 mil livros. Tinha escrito apenas um livro, incompleto, não tinha papel e alimentava-se da imaginação. Era demasiada informação estranha para eu processar e acredito que seria igualmente estranha se fosse Salvador Dali.
Mesmo assim, questionei:
- Se não tem papel, como posso ler esse livro incompleto?
Foi aí que me convidou para visitar a sua quinta. Só aí poderia ler o seu livro. Eu não tenho por hábito aceitar convites de septuagenários para os visitar na sua casa, mas a intriga impeliu-me e o que vi permanece aqui dentro.
João Gurgel escreve, vive e alimenta-se nas árvores. A quinta dele não tem muros, nem uma casa para amostra. As pessoas rumam à sua quinta para ler o seu livro, mas não compram um objeto físico. Compram a entrada. O livro está nas árvores.
Nas árvores de folhas perenes, João escreve a sua autobiografia. As pessoas precisam de subir às árvores para ler o seu livro, de pegar nas folhas onde estão inscritas as suas palavras. E ficam na quinta até terminar o livro interminável, com substrato nas mãos.
Nas árvores de folhas caducas, João escreve o que quer comer e leva à boca as folhas a sentir que ingere rolo de carne, arroz de tamboril ou leitão da Bairrada.
A quinta estava toda intacta, com árvores frondosas à exceção de uma. De uma árvore wengué, João Gurgel fez um sanitário, somente por ser um convicto opositor à caça. Disse-me:
- Não posso opor-me à caça para, a seguir, defecar à caçador. Nem pensar!
Feliz dia Mundial do Livro. E já sabem, se estiverem perto de Penafiel, visitem a quinta do João. Vale a pena!

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