sábado, 25 de abril de 2015

Os 5 tipos de pessoas que celebram o 25 de Abril



Hoje comemora-se o 25 de Abril. E cada um comemora à sua maneira, não fosse hoje o dia da liberdade. No entanto, é possível estabelecer um padrão.
Vejamos os 5 tipos de pessoas que celebram o 25 de Abril:
1 - O SONHADOR
O gajo que ouve Zeca Afonso o ano inteiro e que só se sente compreendido uma vez por ano. O seu autor favorito é Manuel Alegre, diz 25 vezes por semana "Temos que regressar aos valores de Abril" e sonha com uma revolução desde que Passos Coelho subiu ao poder. Ainda veste o casaco de cabedal que usou em 1974.
2 - GERAÇÃO-FORMOL
São as pessoas que nasceram depois de 1995 e associam o 25 de Abril ao visionamento do filme "Capitães de Abril" na aula de história durante 10 anos seguidos. "Yah, o Salazar fez umas cenas, tipo, más, e depois os tropas, de uma maneira não gostaram e espetaram-lhes uns cravos nas fuças. E pronto, libertaram o people todo."
3 - O SALAZAR-TOUPEIRA
O sexagenário que sai à rua, compra o jornal e discursa no café, onde vai dizendo que isto não está muito melhor do que no tempo do Salazar. "Esse, sim, era um homem idóneo. Olhava pelas pessoas. Isto, agora, nem com 100 salazares ia lá!"
A clonagem de salazares nem era mal pensado. Assim, o Partido Comunista passava a ter alguma utilidade.
4 - O LENINE DA REMAX
Trata-se dos membros da esquerda que olham para o 25 de Abril como se falasse de propriedade privada. O 25 de Abril é mais deles do que de toda a gente, porque foi a esquerda que derrotou a direita fascista. Logo, o 25 de Abril é para todos, mas toda a gente sabe que é mais de uns do que de outros. É como ir ao hospital público: é para todos mas, se conheceres lá alguém, vai ser bem melhor para ti.
5 - O DIREITISTA QUE PRECISA DE PROVAR QUE NÃO É FASCISTA
É o gajo que aponta o dedo ao Lenine da Remax e diz que a liberdade é de todos e feita por todos. Já aceitou que o mundo é cínico e é um darwinista convicto. Tem um busto da Margaret Tatcher em casa. Está à espera que privatizem o 25 de Abril para apagar os comunistas das fotografias de 1974.
- Mas, ó Bruno, falta-te aí um! E os gajos que fazem listas acerca dos tipos de pessoas que celebram o 25 de abril?
- Que estais a insinuar? Que faço parte de um grupo de pessoas?
- Sim, foi o que acabaste de fazer.
- Pois, mas eu sou um javali.
25 de Abril sempre!

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Petição e Touradas

Ontem assinei a petição "Proibição de subsídios públicos a actividades tauromáquicas".
Não gosto de touradas, mas não me dou ao trabalho de argumentar contra elas. E só não o faço porque parto do princípio científico de que, quem gosta, só pode estar maluquinho da cabeça. Assim, fazer entender aos aficionados o quão grotesca é a tourada, é a mesma coisa do que pedir à Joana Vasconcelos que faça uma obra de arte que caiba numa mesinha de cabeceira.
O que mais me preocupa não é o fim das touradas porque, mais tarde ou mais cedo, vai acontecer. O que me tira o sono é o das saídas profissionais dos touros quando isso acontecer. Já estou a imaginar as taxas de desemprego a dispararem, lado a lado com a das pessoas. E convém, à partida, combater a subsídio-dependência da classe taurina.
Deste modo, proponho um projeto-piloto: dar formação de patrulha aos touros de Vila Franca de Xira, Santarém e Barrancos. Ou seja, alijar o fardo da polícia dentro das localidades e colocar touros a percorrer as ruas da localidade.
No fundo, era banalizar as largadas de Pamplona. Os patrões instituíam 'dress code' só com roupas vermelhas. As pessoas nunca mais chegavam atrasadas ao trabalho e a produtividade disparava.
Podia até contribuir para a diminuição de adultério. O marido saía à noite para "comprar tabaco" e chegava ele a casa com cornos, enfiados no abdómen.
Mesmo os adolescentes à ida para a escola tornar-se-iam mais sociáveis. Não iam com a cara enfiada no telemóvel e estavam em permanente alerta para uma possível pega de frente.
Não têm nada que agradecer. Ora essa!

quinta-feira, 23 de abril de 2015

João Gurgel, o escritor de árvores


Hoje é o dia Mundial do Livro. Ou, como lhe chamam na minha zona, dia Mundial dos Filtros.
Fui livreiro durante 7 anos e há uma história que recordo e que se sobrepõe a todas as outras. É a história de como conheci o senhor João Gurgel, o escritor de árvores.
Foi por acaso que o atendi. Ele não procurava nenhum livro. Disse-me apenas:
- É tão triste que todas as pessoas leiam a partir de folhas brancas.
Não entendi muito bem aquela afirmação, mas fiquei curioso. Foi aí que fiquei a saber que toda a vida foi escritor, em reclusão na sua quinta em Guilhufe e que já havia vendido para cima de 20 mil livros. Tinha escrito apenas um livro, incompleto, não tinha papel e alimentava-se da imaginação. Era demasiada informação estranha para eu processar e acredito que seria igualmente estranha se fosse Salvador Dali.
Mesmo assim, questionei:
- Se não tem papel, como posso ler esse livro incompleto?
Foi aí que me convidou para visitar a sua quinta. Só aí poderia ler o seu livro. Eu não tenho por hábito aceitar convites de septuagenários para os visitar na sua casa, mas a intriga impeliu-me e o que vi permanece aqui dentro.
João Gurgel escreve, vive e alimenta-se nas árvores. A quinta dele não tem muros, nem uma casa para amostra. As pessoas rumam à sua quinta para ler o seu livro, mas não compram um objeto físico. Compram a entrada. O livro está nas árvores.
Nas árvores de folhas perenes, João escreve a sua autobiografia. As pessoas precisam de subir às árvores para ler o seu livro, de pegar nas folhas onde estão inscritas as suas palavras. E ficam na quinta até terminar o livro interminável, com substrato nas mãos.
Nas árvores de folhas caducas, João escreve o que quer comer e leva à boca as folhas a sentir que ingere rolo de carne, arroz de tamboril ou leitão da Bairrada.
A quinta estava toda intacta, com árvores frondosas à exceção de uma. De uma árvore wengué, João Gurgel fez um sanitário, somente por ser um convicto opositor à caça. Disse-me:
- Não posso opor-me à caça para, a seguir, defecar à caçador. Nem pensar!
Feliz dia Mundial do Livro. E já sabem, se estiverem perto de Penafiel, visitem a quinta do João. Vale a pena!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Sonho e pesadelo

Tive um sonho que virou pesadelo.
Sonhei com uma história extraordinária que podia dar um grande livro. Um homem escreve um livro sobre a história da conquista de Lisboa aos mouros, enquanto faz ele próprio parte do contingente de D. Afonso Henriques.
Acordei e pesquisei sobre o assunto. Afinal já existe. O Saramago já escreveu um livro assim. E isto deixa-me indignado. Por que razão as pessoas que nasceram antes de nós têm direito a ter os louros de invenções que um gajo podia perfeitamente ter?
Eu sinto que era menino para inventar o marxismo. "Ai, há meia dúzia de mamões que dominam o sistema capitalista. Era é dar-lhe nas trombas e coletivizar as cenas para o povo, pá!" Cá está, socialismo de transporte público.
Mesmo a roda, era uma invenção ao meu alcance. Os gajos do Neolítico que se vão lixar, que eu fazia aquilo sem grande alarido. Nunca lhe dava o slogan da "maior invenção da Humanidade".
Assim, não há igualdade de oportunidades temporais. Os gajos de antigamente deviam ter pensado nisso. Podia haver gajos, como eu, que poderiam querer inventar as mesmas coisas que eles e só não o fizeram porque ainda não tinham nascido. Não é justo!
Pelo sim, pelo não, eu não faço nada. E só não o faço porque tenho respeito pelas gerações vindouras. Eu quero que os meus bisnetos me agradeçam o facto de eu não ter mexido uma palha em relação ao aquecimento global. Assim, eles podem fazer alguma coisa em relação a isso. Ou não! Podem, também eles, pensar no futuro. E deixar para outras gerações vindouras.
Agora pensem nisso.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Agenor, o escritor de viagens


Isto é demasiado bom para não ser partilhado.
Trata-se da história de Agenor Correia, o primeiro escritor de viagens português após o 25 de Abril.
Agenor, jornalista do Diário de Notícias por profissão e viajante por vocação, é-lhe encomendado um trabalho por uma empresa em expansão no mercado de guias de viagem: a American Express. O trabalho: Peru.
A seguir à revolução, muitos portugueses voltaram a estudar. Sobretudo, línguas estrangeiras. Agenor andava a aprender os rudimentos do inglês. Quando lhe ligaram da American Express, foi um senhor inglês que lhe fez a encomenda e logo se instaurou uma dúvida em Agenor:
- Será que ele disse Peru num esforço para comunicar em português, ou quereria ter dito Turkey que é, ao mesmo tempo, Peru e Turquia?
Sem querer ligar de volta para sanar a dúvida, Agenor optou por estudar tudo o que sabia acerca da Turquia. Entretanto, chegou um bilhete de avião com destino a Lima. Agenor não podia acreditar. Consta-se que teve um ataque de ansiedade, ao qual juntou dois almudes de bagaço.
Mas não desistiu. Viajou para o Peru acompanhado do fotógrafo António Araújo. No entanto, depois de aterrar não conseguia deixar de pensar na Turquia. E o que aconteceu foi insólito. Em Lima, escreveu sobre Istambul; em Arequipa, relatou a cores ocres das ruas de Diyarbakir; e em Machu Pichu, noticiou a questão curda nos confins da Capadócia. No fundo, mesclou a identidade poliglota nas palavras Peru e Turkey.
Mesmo assim, o livro foi publicado. Quem tiver a primeira edição do guia American Express do Peru, encontra as fotos das diversas regiões mas apenas textos sobre a Turquia. O tradutor inglês sofreu um colapso nervoso e apenas debitava um dilema shakespeariano: "Peru or Turkey, that is the question."
Isto causou um grande escândalo no Peru, ao ponto de Agenor ser ainda hoje considerado "persona non grata" no país.
Agenor já não se encontra entre nós. Consta-se que morreu de cirrose e na sua lápide encontramos um escrito bilingue:
"Aqui jaz Agenor, até ao fim bêbedo que nem um peru.
Here lies Agenor, drunk until the end like a turkey."